O bife de laboratório e o vegetariano

Yuri Gonzaga

Uma das principais façanhas da ciência no ano passado (ou, pelo menos, uma das mais faladas), a produção de um bife de laboratório pelo grupo holandês e sua degustação pública suscitou a discussão sobre se seria ou não coerente o consumo da carne “in vitro” por vegetarianos.

Se para alguns a principal motivação para abster-se de proteína animal é nutricional (para evitar gorduras saturadas e colesterol, por exemplo) ou gastronômica (o simples não gostar), para outros o verdadeiro problema é o conjunto de consequências ambientais, sociais e de direitos dos animais resultante da produção de carne em escala industrial.

Parêntesis: o tal bife de laboratório é resultado do projeto Cultured Beef, da Universidade Maastricht, que teve um “lançamento” em 2013. Por meio de uma técnica de replicação de células-tronco –retiradas de uma vaca, os pesquisadores criaram um hambúrguer de 142 gramas que era verdadeiramente um clone de músculo bovino.

Pedaço de músculo bovino desenvolvido em laboratório  pelo projeto Cultured Beef (Divulgação)
Pedaço de músculo bovino desenvolvido em laboratório pelo projeto Cultured Beef (Divulgação)

Entre os financiadores do projeto está um dos fundadores do Google, Sergey Brin, que diz considerar “improvável” que a humanidade se torne vegetariana, apesar de indicar que isso seria, na visão dele, o correto. Some a isso o problema ambiental inerente à pecuária e daí o que o levou a investir US$ 330 mil (cerca de R$ 730 mil) na iniciativa.

Para quem é vegano por razões “éticas” (aspas já que toda opção é ética), a opção de abolir qualquer produto de origem animal (seja uma célula) é, em teoria, suficiente para excluir a possibilidade de consumir essa carne “sintética”.

Por outro lado, os de motivação ambiental, ao menos em teoria, teriam pouco para se preocupar. O líder do projeto, professor Mark Post, diz que com uma célula seria possível produzir toneladas de carne (o impacto disso é incerto, mas, segundo ele, necessariamente é muito menor do que o causado por bovinos, estejam eles pastando ou confinados e alimentados com ração). O sofrimento animal, assim, também seria reduzido a um mínimo.

Ao menos por enquanto, contudo, o “bife cultivado” não soa tão apetitoso.

Isso porque ele é composto basicamente por proteína –não há sangue, vasos sanguíneos, nervos ou gordura, também componentes de um pedaço de carne genuíno. Em conversa comigo por e-mail, uma das pessoas que provou a carne de laboratório, a cientista austríaca Hanni Rützler (cujo trabalho no também envolve hábitos alimentares) disse que esperava morder algo mais macio.

“Não é tão suculenta. Sei que não há gordura nele, portanto a suculência era justamente uma das minhas dúvidas. O gosto é bem próximo ao da carne –sei que o processo de cozimento tem a ver com o sabor final. A consistência é perfeita, contudo”, escreveu.

Uma pesquisadora do grupo FCRN (Rede de Pesquisa Alimentar e Ambiental, sigla em inglês) e uma das pessoas que criticaram o projeto Cultured Beef, Tara Garnett diz que é “inaceitável” que se invista em outras maneiras de como produzir mais comida.

Para ela, o caminho é solucionar o que considera um desiquilíbrio crônico na produção de alimentos mundial. “Vivemos essa situação em que 1,4 bilhão de pessoas está acima do peso ou obeso e, ao mesmo tempo, outro bilhão de pessoas no mundo todo vai se deitar todos os dias com fome”, disse em comentário para a rádio BBC. Para ela, o caminho é investir na promoção da dieta vegetariana ao redor do mundo.

Kanayo Nwanze, presidente do Ifad (fundo para o desenvolvimento agrícola da ONU), diz que o que pode reequilibrar a distribuição de alimentos no mundo, em especial nos países mais pobres da África, é a agricultura familiar.

Para o professor Post, não deve demorar muito até que haja carne derivada de células-tronco nas prateleiras dos supermercados.

Uma enquete promovida pelo “Guardian” mostrou que  69% dos leitores do jornal inglês encarariam um pedaço de carne saindo quentinho de uma placa de Petri.

E você, comeria um bife de laboratório?

 

O professor Mark Post exibe um hambúrguer cultivado em laboratório (Divulgação)
O professor Mark Post e seu hambúrguer “in vitro” (Divulgação)