Donos de restaurante vegano nos EUA dizem ter recebido ameaças por voltar a comer carne
Matthew e Terces Engelhart, proprietários de duas famosas mas pequenas redes de estabelecimentos veganos na Califórnia, Café Gratitude e Gracias Madre, disseram recentemente ter sofrido ameaças de morte depois de terem declarado que passaram a comer carne.
O casal, que diz ter sido vegano por décadas, afirmou a “The Guardian” e “The Hollywood Repoter” que as promessas foram feitas por veganos que se sentiram traídos –seriam estes fregueses da cafeteria ou do restaurante de comida mexicana.
“Entristece-nos o fato de que escolhas que fizemos na privacidade de nosso lar tenham levado pessoas a se sentirem tão traídas que isso as fez ameaçar nossas vidas. Estou bastante desanimado”, disse Matthew. A transição teria mote ambiental e “espiritual” e aconteceu no ano passado.
O que motivou uma de suas empresas a divulgar uma declaração sobre a dieta pessoal dos fundadores foi a (re)circulação de imagens que mostravam Matthew comendo um hambúrguer, e carne em uma das geladeiras da fazenda dos dois, situada ao norte de San Francisco.
“À luz de recentes comentários, queremos assegurar que Café Gratitude e Gracias Madre sempre serviram e continuarão a servir pratos 100% orgânicos e baseados em plantas, preparados com ingredientes de fontes responsáveis de fazendeiros e fornecedores que compartilham de nosso comprometimento com a integridade do ambiente”, lê-se no comunicado.
“Os fundadores Matthew e Terces Engelhart não seguem, pessoalmente, uma dieta vegana. Eles residem em uma fazenda, uma propriedade privada, em Vacaville, Califórnia, onde praticam agricultura regenerativa e colhem uma produção orgânica para consumo pessoal e de amigos, família e vizinhos. Ainda que haja vacas e galinhas na fazenda, parte essencial de um sistema orgânico de fazenda, eles não estão vendendo os animais para consumo ou lucro.”
No blog, os Engelhart afirmam (em um post de março no ano passado) que a resposta para a inserção de carne em sua dieta é a “não-violência”, explicando (de maneira prolixa) que a indústria alimentícia, mesmo a vegana e orgânica, pode ser mais danosa que a criação e abate de gado em sua fazenda californiana.
O exemplo citado é uma margarina vegana e orgânica feita de óleo de canola canadense e ironicamente intitulada Earth Balance, “equilíbrio da Terra”. “Orgânico ou não esse produto requereu um processo que destruiu pradarias canadenses em um ato violento contra corujas, furões, cães-da-pradaria, dezenas de espécies de insetos e de aves. Se tal campo fosse mantido como pasto com vacas ou búfalos bem-gerenciados estas espécies não seriam mortas ou expulsas”, escreve Terces no blog.
“Precisamos de vacas para manter a Terra viva”, continua. “Vacas fazem um sacrifício extremo pela humanidade, mas esta é sua posição no plano de Deus como comida para predadores. Se soubesse de uma melhor ou qualquer outra solução, eu a escolheria.”
Pouco antes, haviam publicado: “Foi uma grande semana ao que começamos a fazer nossa transição para nossos próprios produtos de carne, após quase 40 anos de vegetarianismo. É uma transição que está acontecendo profundamente dentro de nós, e sabemos que é uma parte necessária e importante de nosso próprio crescimento, no sentido de sustentabilidade da nossa fazenda.”
“Certamente uma parte de nós quer ora negar a inevitabilidade da morte ou simplesmente não nos permitir ver sua realidade, para nossos animais e para nós mesmos”
Anos atrás, os empresários sofreram com processos de ex-funcionários de seus estabelecimentos e tiveram de fechar várias unidades, especialmente na baía de San Francisco. As alegações eram que os Engelhart praticavam uma divisão das gorjetas dadas por fregueses a garçons, a fim de premiar também os demais funcionários (incluindo gerentes), o que é ilegal no Estado.
Em um caso, uma funcionária afirmou ter sido demitida por recusar-se a participar de um curso considerado controverso, ministrado pela empresa Landmark Forum.
Uma filha do casal, Mollie Engelhart, é proprietária do restaurante vegano Sage, um dos mais conhecidos entre os vegetarianos em Los Angeles.
BOICOTE
Após o comunicado ser publicado, internautas reagiram, boa parte negativamente. Uma página foi criada no Facebook, hoje com 962 membros, com o nome “Boicote Café Gratitude e Gracias Madre”. As páginas de avaliação no site Yelp dos estabelecimentos receberam comentários negativos de pessoas que criticavam a alegada hipocrisia dos proprietários.
Ativistas influentes pelos direitos dos animais, como Leilani Münter e Jackie Day, criticaram a mudança. O cantor vegano Moby expressou publicamente sua reprovação para com os Engelhart:
Vacas são tão incríveis. Amigáveis, inteligentes, gentis e felizes só por estarem vivas. Nesse sentido, eu peço encarecidamente que Café Gratitude e Be Love Farm [a fazenda do casal] não apoiem a criação e a morte de animais. Adoro comer no Café Gratitude, mas me parte o coração ver seus proprietários deixarem o veganismo rumo ao ‘carnivorismo’. Animais não são nossos para comer, vestir ou fazer experimentos
No seu blog, “My Vegan Journal”, Jackie Day escreve: “Ainda estou feliz que estes restaurantes existem? Claro! Continuará deliciosa a comida que eles servem? Provavelmente. Mas estou feliz pelo fato de essas pessoas usarem o dinheiro dado a eles [por veganos] para comprar animais e matá-los? Não.”
Em resposta à publicação no Facebook pelos Engelhart, uma internauta, sob o nome Colette Rice, disse: “Isto me faz me sentir um pouco traída após anos apoiando-os. Não sou contra frequentar um lugar que não é vegano. Sou a favor, e incentivo que esses lugares expandam seus oferecimentos para veganos, e que trabalhem para tornar o veganismo lucrativo.”
“Mas isto [a mudança] vai de encontro ao que vocês dizem ser seus valores”, continuou. “Não compro a lógica de vocês e não posso apoiar esta escolha. Espero que mudem de ideia. Até lá… não voltarei. Muito triste. Muito decepcionada.”
AUTO-BOICOTE
Em uma análise no “Los Angeles Times”, o articulista (freguês do Café Gratitude e onívoro) Conor Friedersdorf levanta a bola de que os veganos que estão atacando os Engelhart podem estar mais atrapalhando que ajudando a causa. “Se o boicote for bem-sucedido, ou seja, que causem o fechamento ou a saúde dos negócios do Café Gratitude, quase certamente resultará em mais animais serem comidos”, escreve.
“Não acho que haja alguma outra organização que faça mais para promover uma dieta baseada em vegetais do que nós”, disse o casal ao “Hollywood Reporter”. “Transformamos [o veganismo] de dogma a um segmento [originalmente o termo usado foi “genre”, gênero]. Servimos 28 mil refeições por semana em nossas unidades. Não fazemos nada se não uma dieta livre de ingredientes animais em nossos restaurantes, e estamos sendo atacados. Isto não faz sentido.”
No seu artigo, Friedersdorf traça um paralelo entre o comportamento dos veganos que detraem a atitude do casal à ortodoxia de entusiastas de determinadas posições políticas e de crenças religiosas:
Como James Pinkerton disse certa vez, pagão é alguém que nunca acreditou no que você acredita; o pagão é um estranho, não há muito motivo para investir suas emoções nele. Mas um herege é alguém que você conhece bem, alguém que outrora creu no que você crê e agora tem uma fé diferente –isso é tão mais ameaçador. Você guerreia contra pagãos e tenta derrotá-los, até destrui-los. Mas contra os hereges medidas ainda mais duras são demandadas, sua ameaça é a de destruir a fé verdadeira. Então lança inquisições contra o herege para, assim, eliminar até o pensamento da heresia
(Pinkerton é um analista político que trabalhou na Presidência americana com Reagan e Bush pai)