‘Seja vegano, não seja chato’
No estilo Alborghetti ou Away Nilzer (mantendo a distância dos temas ou posicionamentos políticos), o videologger vegano Flavio Giusti lançou recentemente em vídeo (o primeiro de sua série “vegetaritreta”) uma crítica a alguns adeptos da causa e à mentalidade e à prática contraproducentes que eles adotam: a do “veganismo ortodoxo”.
É um tema recorrente –leia o post de maio deste blog, relacionado– e triste. Em resumo, o problema é que alguns vegetarianos consideram não só sua dieta ou estilo de vida superior aos dos que fazem diferente, mas também atacam estes.
(O vídeo contém impropérios –mais precisamente, 30 deles)
Difícil precisar se um “contra-ataque”, caso deste vlog de Giusti, tem efeitos que contribuem para levar adiante ou ampliar o acesso à consciência vegana. Mas certamente dá voz aos que costumam ser o alvo do ataque (leia na seção de comentários do vídeo no YouTube), que muitas vezes são vegetarianos em transição rumo ao veganismo.
Mais difícil ainda é imaginar que alguém “mais monarca que o rei” possa pragmaticamente dar uma contrbuição dessa forma, desmoralizando quem ainda não chegou no mesmo patamar de atitude que ele. Como pontua Giusti é possível que o verdadeiro objetivo dessas pessoas –o de inflar o próprio ego ao pisar em alguém “menor”, “mais fraco” ou “menos certo”– seja alcançado.
Qual a necessidade da moderação? Na minha opinião, é nítido que, a fim de evitar o sofrimento de animais e de proteger o ambiente, melhor um ovolactovegetariano do que alguém que come também carne. O objetivo é uma existência mais digna, para a humanidade e para os demais bichos. O mecanismo é o boicote: reduzir a demanda por itens dispendiosos e supérfluos dos pontos de vista nutricional e (subjetivamente) palatal a fim de evitar que mais um dos animais seja morto, e que menos deles destruam ecossistemas durante sua criação.
Por outro lado, há que se pensar sobre o possível lado positivo do “radicalismo”. Um artigo intitulado “Em defesa do extremismo”, o editor da revista americana “Dissent”, Michael Kazin, defende que, em determinados casos, o radicalismo foi historicamente produtivo. Apesar de não mencionar o vegetarianismo –as sim a abolição à escravatura, implementação do sufrágio universal e outros– argumenta:
O extremismo é a moeda da convicção, seja esta virtuosa ou maligna. Ele força aquele que está em cima do muro a destruir o contraventor ou a adaptar-se a ele
(O termo traduzido para “contraventor” é originalmente “disrupter”, ou aquele que rompe. Dependendo do ponto de vista, poderia ser interpretado como a “vanguarda”, linha de frente)
(Vale dizer que a escravidão e os privilégios masculinos eram outrora dissensos por ampla margem, tal qual o vegetarianismo hoje. Esse é um artifício pouco raro em argumentações pró-veganismo e pelo fim do especismo)
É claro que extremismo tem definição frouxa e, dependendo do opinante, não incluiria o ativismo agressivo (no caso, um exemplo seria o “terrorismo virtual” com publicação de imagens do abate sangrento dos animais) ou a ortodoxia, obstinação (refletidas nos ataques aos vegetarianos “impuros”).
Giusti, um poeta dos anos 10 (tive de buscar “pau na lomba” no Google), diz: “O problema é que estamos nos focando uma coisa que nem é para focar: em vegano, em veganismo. E o foco são os animais. Eles é que merecem o nosso respeito.”
Em um mea-culpa, devo dizer que tenho, de fato, o sentimento de que o estilo de vida vegano é “melhor”, no sentido de “mais correto” ou “menos danoso”. E que discrimino, ou “julgo mal”, os que não são dele partidários. Esse foi e é um dos motivos para que eu começasse a caminhar nessa direção.
É um pensamento que tento anular, quase sempre com pouco sucesso, mas que não se reflete (que perceba) em atitude. Pode ser a única coisa que eu teria a adicionar ao vídeo de Giusti –o teor do vlog dá a entender que “o inferno são os outros”. Mas é provável que sejamos, em diferentes graus e cores, os outros.