Como ser vegetariano e estragar um almoço em família
Almoço de domingo. Família reunida, a vó com sete quilos de macarrão na travessa. Cerveja barata na lata. As crianças correndo tudo. “Vem comer, menino.”
E eis que, no momento de ser servir, o crime acontece. Sorrateiramente, alguém lembra que você não come carne. “Fulano não tá comendo carne agora, vó”
Alguém desconfia, acusa fake news. Todos os tios e tias da mesa se encarregam da checagem.
“Sim, eu virei vegetariano”.
Está em curso a importunação carnívora.
Para você, jovem vegetariano que ainda não decorou todos os desdobramentos dessa discussão, seja em casa, no trabalho ou no jantar com os amigos, conto cinco frases que aparecerão -100% de certeza– e como se esquivar com classe, estragando qualquer evento social com destreza única:
1 “Mas come o que então?”
Vamos lá, para quem fugiu da escola: temos o reino animal e o vegetal (e outros que não importam aqui). Basicamente comemos quatro espécies de animais: peixes, porcos, bois, frangos e cabras. Entre variações de raças e famílias, são basicamente estes animais que compõem a alimentação humana num grande centro urbano brasileiro.
Em contrapartida, existem cerca de 300 mil vegetais comestíveis no mundo, dos quais só consumimos 200. Pronto.
2 “Ah mas e a soja que você come, que desmata e usa agrotóxico?”
Respire fundo e pausadamente e proponha uma reflexão: “mas e a soja que VOCÊ come?”
Segundo a Aprosoja (Associação Brasileira dos Produtores de Soja ), cerca 80% da soja nacional vira farelo para alimentar animais, os outros 20% viram óleo -a proteína de soja é um subproduto do que sobra da soja após a extração e nem entra na estatística, pois o volume de produção é desprezível no mercado.
Comer carne é que traz problemas com a soja, não o tofu.
3 “E as proteínas, tira da onde?”
Explique para sua tia que a carne não é a única fonte de proteína no mundo. Oleaginosas (sementes que crescem em vagens) como feijões, a amaldiçoada soja e ervilhas são riquíssimas em proteína. Castanhas também são uma boa opção e ainda têm alguns minerais bastante importantes, como manganês, selênio e cálcio.
A chave de uma alimentação saudável é a diversidade. Pratos coloridos, com vegetais de vários tipos, vale mais do que qualquer multivitamínico de farmácia.
4 “E se a galinha fosse criada solta, bem tratada, você comeria?”
Vou contar uma historinha, uma parábola.
O seu sobrinho imaginário, Henriquinho, é uma criança saudável e bem nutrida. Henriquinho tem muitos amigos, mora numa casa com um quintal enorme, faz natação e judô. Kumon às quintas.
Seu vizinho, Almeida, é um sujeito sensacional. Separa o lixo, anda de bicicleta, só usa roupas de algodão puro e decorou a casa só com móveis de pallets. Grande sujeito, o Almeida, que tem um açougue.
Um dia Almeida chega na sua casa, sempre muito gentil e diz: “Vamos matar o Henriquinho e vender seus pedaços lá na firma.”
Você se assusta, mas ele garante: O pequeno Henrique viveu feliz e vai morrer sem dor.
À noite, antes de deitar, Henriquinho toma um leite morno com calmantes e desmaia. Almeida aplica uma anestesia geral, seguida de um medicamento que provoca parada cardíaca.
Constatada a morte, penduram Henriquinho pelos pés e lhe cortam a garganta, até sair todo o sangue. “Melhora a maciez da carne”, explica o Almeida (grande sujeito!).
Sua mulher fica furiosa, pois suja todo o piso de pinus, mas Henriquinho viveu feliz e morreu sem dor.
Importa? Faz sentido? É menos absurdo? Não.
O bem-estar animal é o maior golpe publicitário da indústria da carne. Criar animais livres e felizes para depois arrancar-lhes a vida não muda, em absoluto, o fato de que isso é um assassinato.
5 “Ah, mas não é gente, é bicho”
Adoro analogias, vamos a mais uma. Em uma região da Terra, existe um mineral capaz de curar terríveis doenças e ser utilizado como combustível para ir a Marte. Mas, vivendo acima deste precioso minério, há um grupo de animais selvagens.
Esses animais não tem nossa capacidade de compreensão do mundo, não vivem em famílias como nós, não usam as tecnologias que nós usamos, não se comunicam como nós. Você mataria esses animais para poder extrair o minério?
Sim? Parabéns, você acaba de exterminar uma tribo indígena, mulheres e crianças, só porque eles são diferentes de você. Cara, você é uma pessoa horrível.
Dizer que um animal não tem direito à vida e à liberdade e criar uma prática sistemática de escravidão e genocídio só porque eles são de outra espécie é um tipo de preconceito, indefensável pela lógica e por argumentos éticos, chama-se Especismo.
Uma galinha não se comunica como nós, não vive socialmente como nós, não tem nossa capacidade cognitiva. O que faz dela um animal alijado do mais básico direito à existência?
Esse é o momento do silêncio à mesa. Parabéns, você estragou o almoço de domingo.